Giro de arrumação

Imagem_ColeraAlegria
Whatsapp
Facebook
Twitter
Instagram
Telegram
image_pdfimage_print

Por MANUEL DOMINGOS NETO*

O futuro imediato do país passa pelo togado e pelo fardado

Leio no jornal Folha de S. Paulo, na edição do dia 19 de junho, o bem informado repórter Igor Gielow anunciando que uma pretensa “ala militar” estaria cogitando acerca da formação de um “ministério de notáveis” visando salvar o governo Bolsonaro duramente ameaçado pela prisão de Fabrício Queiroz.

Ao que me consta, conversas neste sentido se desenvolvem desde a semana passada, quando ficou clara a situação insustentável do Ministro da Educação.

A nomeação de “notáveis” para a equipe governamental seria uma “invertida de arrumação” diante da impopularidade do Presidente, dos impactos da pandemia, da degringolada economia e da constatada perda de prestígio das Forças Armadas.

Assim, seriam substituídos, além do Chanceler, os ministros da Educação e da Saúde.

Este esforço desesperado para salvar o governo tinha tudo para não dar certo. A queda de Weintraub, além de não ser suficiente “pacificar” os ministros do Supremo, não suspenderia necessariamente a criminosa destruição do sistema brasileiro de ensino e de pesquisa. A de Pazuello, um general da ativa, até poderia sinalizar o descolamento da farda em relação ao governo, mas não bastaria para definir uma postura minimamente responsável diante da pandemia. A de Ernesto Araújo não implicaria forçosamente em atitude responsável nas relações internacionais.

“Invertida de arrumação” é algo que não combina com Bolsonaro, portador da vontade de desarrumar, destruir e promover o caos. A índole do Presidente não combina estabilidade.

A prisão de Queiroz apenas revigora a crescente convicção da necessidade de remover Bolsonaro. Afastá-lo através de impeachment, porém, seria duvidoso. Tal expediente dependeria de votos do centrão, que costuma largar o osso quando não vê possibilidades para o dia seguinte.

O futuro imediato do país passa pelo togado e pelo fardado. Ambos são sensíveis aos clamores populares que podem rapidamente se tornar ensurdecedores.

Juízes e generais estão conversando. Não existe a possibilidade de os primeiros deliberarem sem garantia de que o instrumento de força acate suas deliberações. Assim, em últimos termos, a decisão maior está nas mãos do Alto Comando do Exército.

Multiplicam-se as declamações de que o militar deve ficar fora da política. Ora, o militar está mergulhado na política até os cabelos. Hoje, qualquer manifestação de um oficial de pijama é seguida com apreensão angustiada. O retorno efetivo ao quartel só pode ocorrer com os comandantes sinalizando de forma clara que deixarão os juízes deliberar e os políticos jogar o papel que lhes cabe.

A verdadeira “invertida de arrumação” passa forçosamente pela cassação da chapa Bolsonaro-Mourão e pela convocação de novas eleições.

A soberania popular foi aviltada por mentiras disseminadas pela internet, por intromissão militar no processo eleitoral, por coalizão da grande mídia contra a esquerda e por omissão ostensiva do Judiciário.

O resultado não deu certo. Não poderia dar certo. Bolsonaro não foi feito para resolver problemas, sua especialidade é a fanfarronice destrutiva.

Aos que acham insensato o país viver uma disputa eleitoral em plena pandemia, caberia lembrar: a permanência deste governo apenas agrava este e outros problemas.

*Manuel Domingos Neto é professor aposentado da UFC. Foi presidente da Associação Brasileira de Estudos de Defesa (ABED) e vice-presidente do CNPq.

 

Veja todos artigos de

10 MAIS LIDOS NOS ÚLTIMOS 7 DIAS

As origens da língua portuguesa
Por HENRIQUE SANTOS BRAGA & MARCELO MÓDOLO: Em tempos de fronteiras tão rígidas e identidades tão disputadas, lembrar que o português nasceu no vaivém entre margens – geográficas, históricas e linguísticas – é, no mínimo, um belo exercício de humildade intelectual
A redução sociológica
Por BRUNO GALVÃO: Comentário sobre o livro de Alberto Guerreiro Ramos
Tecnofeudalismo
Por EMILIO CAFASSI: Considerações sobre o livro recém-traduzido de Yanis Varoufakis
Dialética da malandragem
Por VINÍCIUS DE OLIVEIRA PRUSCH: Considerações sobre o ensaio de Antonio Candido
O drama do Brasil de hoje
Por LUIS FELIPE MIGUEL: Congresso corrupto cresce diante de governo apático
Thomas Münzer
Por MICHAEL LÖWY: Quinhentos anos depois, a revolução fracassada de Thomas Münzer ecoa no MST e nos movimentos que ousam desafiar o 'Baal' moderno: o capital que, como no século XVI, ainda veste roupagens sagradas para sacralizar a exploração
A Frente ampla acabou
Por MOYSÉS PINTO NETO: A Frente ampla foi necessária para frear o avanço conservador e fascista, mas não foi nada além disso. Hoje ela serve para impedir o governo Lula de adotar políticas progressistas, e o presidente contém a retórica que poderia dar um sentido mais amplo de luta política redistributiva em função da Frente Ampla
O governo Lula e sua esfinge
Por LISZT VIEIRA: A esfinge de Lula não pergunta enigmas, mas exige respostas: ou o governo rompe com a política de conciliação que o enfraquece, ou será devorado pela história. O tempo do "bom moço" acabou – só um projeto claro e corajoso salvará seu legado das urnas famintas por mudança
A virada dos Estados Unidos para a China
Por TADEU VALADARES: A transição hegemônica entre Estados Unidos e China não é mera conjuntura geopolítica, mas o capítulo mais recente de um capitalismo histórico de 800 anos que chegou ao seu estágio bifronte: produtivo versus financeiro-bélico
Ladainha da responsabilidade fiscal
Por FERNANDO NOGUEIRA DA COSTA: Austeridade fiscal é a liturgia neoliberal que sacrifica vidas no altar da dívida. Enquanto os mercados rezam por juros altos, o povo paga a conta com saúde e educação. A justiça tributária? Uma heresia no catecismo do capital
Veja todos artigos de

PESQUISAR

Pesquisar

TEMAS

NOVAS PUBLICAÇÕES

OSZAR »