Manchetes eloquentes

Imagem: David Pinheiro
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Por ALEXANDRE HECKER*

A apresentação ideológica que cada um dos nossos grandes veículos de informação após as revelações de 20 de novembro sobre o planejamento golpista

Os jornais são uma fonte histórica muito relevante e frequentemente são utilizados como o único instrumento sistemático para o levantamento de fatos e de opiniões que se estabelecem em torno desses fatos. São, porém, uma fonte complexa que deve ser aproveitada com toda a atenção crítica, precisando ser continuamente confrontada com todas as outras fontes disponíveis (documentos privados, documentos públicos, memórias, fontes literárias etc.).

Em geral, acredita-se que refletem a opinião do seu público leitor, mas, antes de qualquer coisa, como propriedade individual ou coletiva que são, apresentam-se como a expressão dos responsáveis pela sua direção. A direção exercida pelo grupo de responsáveis vem sempre dotada de propostas que se propõe a atingir objetivos próprios a setores da opinião pública.

Isto ocorreu em todas as épocas, desde o século XVII, quando então os primeiros números passaram a circular. Trata-se de um instrumento privilegiado que transmite suas ideias não apenas nos artigos de comentários, mas na quantidade e na forma em que dispõem os dados de notícias que apresentam. A organização das notícias que aparecem em suas páginas é parte do conteúdo a ser apresentado e absorvido. E depois estudado e analisado por que se der ao trabalho, e souber fugir à provocação de Schopenhauer: “Ler quer dizer pensar com a cabeça alheia, em vez de com a própria”.

Foi com um travo na garganta provocado pela abertura das páginas do jornal Folha de S. Paulo, semana passada, para a propaganda sediciosa do ex-presidente golpista da República, e relembrando do desafio do filósofo, que julguei oportuno tratar do tema tão candente do golpe de estado do qual a sociedade brasileira se safou por um triz.

Considerando as características gerais dos jornais acima descritas, dei tratos à bola para comparar a apresentação ideológica que cada um dos nossos grandes veículos de informação, neste dia após as revelações, 20 de novembro, fizeram do planejamento e da inicial tentativa de golpe de estado preparado por Jair Bolsonaro e diversos asseclas.

Sumariamente a apresentação foi assim: (i) Estadão: manchete capa “PF relata plano para matar Lula, Alckmin e Moraes e dar golpe”; editorial: “Traidores da pátria”; (ii) O Globo: manchete capa “PF revela que golpistas planejaram matar Lula, Alckmin e Moraes em 2022”; editorial “Operação contra golpistas contribui para a democracia”. (iii) Folha: manchete capa “Militares discutiram morte de Lula e Moraes na casa de Braga Netto, diz PF”; editorial “Suspeitas graves exigem tanto rigor como equilíbrio”.

É curioso, ressalvadas as preferências prosódicas, como os dois jornais “mais conservadores” se destacam na identificação precisa dos eventos, enquanto a Folha tergiversa. Estadão e O Globo dão como verdade o plano denunciado pela PF, enquanto o jornal do “rabo preso com o leitor” refere-se a uma discussão, uma hipótese.

Os títulos dos editoriais, então, são explicitamente reveladores: os “conservadores” põem o dedo na ferida: “traidores”, diz um; “golpistas”, afirma outro; enquanto o jornal de “nossa esperança na democracia” enfatiza o equilíbrio diante do cometimento de um crime de lesa-pátria.

Conclusão: mais valem dois “conservadores” sem medo de se posicionar a favor da democracia, do que um “progressista” do tipo timorato enredador.

*Alexandre Hecker é professor aposentado da Unesp. Autor, entre outros livros, de Socialismo sociável: História da esquerda democrática em São Paulo (1945-1965) (Ed. Unesp). [https://amzn.to/3QRfs1J]


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